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Artigo de opinião: “No todo vale”

No son líderes caricatura, no son villanos de cómic, son representantes de la ciudadanía

Llegó una pandemia sin precedentes y como era evidente, estos populistas, volvieron a utilizar la negación, intentaron crear un propio relato, pero esta vez las consecuencias eran demasiado serias, eran directamente mortales. ¡Ay ese «la muerte es el destino de todo el mundo» de Bolsonaro! ¡cuándo sufrimiento tendrá como consecuencia!

Se atrevieron con las medidas de prevención e higiene ¡cómo si no salvasen vidas! Salvini se jacta de no llevar mascarilla y afirma que «el saludo con el codo es el fin de la especie humana», seguro que se siente incluso satisfecho.

¿Cómo puede el juego del poder sobreponerse a algo que cuesta vidas? ¿Son conscientes de que quienes les votan están corriendo un riesgo tan grave? ¿No resulta más que evidente? ¿No hay límites?

Trump ha combinado todas las afirmaciones de sus colegas e incluso aderezándolas con el desinfectante bebible, pero no ha sido suficiente, supongo que como fanfarrones adolescentes a jugar ¿a que no …? va más allá y se atreve a poner en cuestión las próximas elecciones, incluso de poderse celebrar, ya adelanta fraude en el resultado (democrático). ¿Serán los sondeos los que le han hecho tomar consciencia sobre la pandemia y su contagio? ¿es el propio interés el que le lleva a jugar ahora con la democracia? ¿o es que nunca creyeron en ella más que en su utilización para su ascenso?

No son países lejanos, no son líderes caricatura, no son villanos de cómic, son representantes de la ciudadanía con la responsabilidad que eso otorga, no son ignorantes quienes les votan, una sola mirada de superioridad moral hacia ellos les convierte en invencibles, el aquí no pasa eso, el aquí … juegan, manipulan y conocen muy bien qué políticas aplican y para quién. Los derechos y las libertades se construyen y mantienen cada día, en cada gesto, en cada discurso.

Esta semana se anunciaba una moción de censura como si todo fuera un juego de niñas y niños irresponsables para ver quién manda en el patio, eso sí, después del recreo, siempre en esa etapa infantil resulta sagrado. Las mentiras, las deslealtades al país, y aún más los actos irresponsables, con el dolor, la incertidumbre, las ganas de luchar para seguir viviendo que clama la ciudadanía todo ello resulta sinceramente impúdico.

Aquí están, sabemos qué representan, mantengámonos firmes en la defensa de la democracia, de la vida, de la libertad, quien afirma que todo es lo mismo permite y abre la puerta al todo vale, cueste lo que cueste. Un precio muy caro.

Lara Garlito

At https://www.elperiodicoextremadura.com/

 

Artigo de opinião: “Negar o racismo é racismo”

luisa-semedo-imigranteEnquanto se continua a pôr em causa se há racismo, se há racismo estrutural ou se a sociedade portuguesa é racista anula-se o espaço para a responsabilização, para a reflexão e discussão sobre a mudança, e silenciam-se as vozes das pessoas vítimas de racismo, as suas vivências e as suas propostas para o progresso da Igualdade entre todas e todos os cidadãos em democracia. Negar o racismo é distração e sabotagem.

Após a execução racista de Bruno Candé Marques começou desde logo a cantiga usual: “agora tudo é racismo”, “isto não é racismo”, “o idoso só estava mal disposto”, “acordou do lado errado da cama” ou “talvez se tenha enganado porque vê mal” (verdadeiro comentário). Excluindo o negacionismo deliberado e oportunista, utilizado como arma política e chamariz mediático de profissionais do racismo como André Ventura, este nível delirante de negação é perturbador e é também um sintoma do racismo estrutural que gangrena a sociedade de forma mais ou menos velada para os que dele beneficiam.

O medo que o grupo racial, com o qual os negacionistas se identificam, possa ser associado a um crime racista é de tal ordem que todas as recriações e revisionismos contorcionistas do que se passou naquela Avenida de Moscavide são possíveis, pouco importam os inúmeros testemunhos públicos e as declarações da família da vítima. Como explica Herbert Blumer em Race Prejudice as a Sense of Group Position (1958), quando falamos de racismo estamos a falar de uma relação entre supostos grupos raciais e não de uma relação interpessoal entre os membros desses grupos, ou seja, o pânico moral que sentem os negacionistas em relação à sua reputação não acontece porque se identificam com o indivíduo que matou Bruno Candé Marques, mas com o grupo racial ao qual ele é suposto pertencer.

Assistimos, desde logo, a um movimento de solidariedade de grupo cujo objetivo é o de salvar a sua reputação, porque se Portugal não é racista, se não somos racistas, um dos nossos também não pode ser. Se considerassem Bruno Candé Marques como fazendo parte do seu grupo as reações seriam distintas, e não teríamos outro clássico racista que é a desculpabilização do ato criminoso através da inculpação da vítima, que afinal “não era nenhum santo” – como se houvesse uma licença para matar, uma exceção à lei da pena de morte quando essa morte é a de um corpo negro. Negar o racismo é racismo.

Esta estratégia de defesa da sua reputação tem custos elevados para as pessoas racializadas e para a sociedade no seu todo. Negar o racismo é ser cúmplice, através da utilização de um dos eficazes instrumentos, da preservação de um sistema supremacista que beneficia há séculos uns em detrimento de outros. Negar o racismo protege os opressores, vulnerabiliza as vítimas, deslegitima o combate antirracista e “enfraquece a resistência”, como defende Teun A. van Dijk em Denying Racism: Elite Discourse and Racism (1992). Enquanto se continua a pôr em causa se há racismo, se há racismo estrutural ou se a sociedade portuguesa é racista anula-se o espaço para a responsabilização, para a reflexão e discussão sobre a mudança, e silenciam-se as vozes das pessoas vítimas de racismo, as suas vivências e as suas propostas para o progresso da Igualdade entre todas e todos os cidadãos em democracia. Negar o racismo é distração e sabotagem.

Quando se nega a existência do racismo estrutural, está-se a apagar a História de Portugal e o seu passado esclavagista e colonialista, está-se a apagar a História das pessoas racializadas, está-se a negar-lhes um qualquer tipo de ancestralidade, de herança histórica, de transmissão, sem terem direito a “avós”, como se fossem seres fora do espaço e do tempo. Negar o racismo é alienação.

Quando se nega o racismo estrutural está-se a apontar o dedo de forma racista à responsabilidade coletiva de negros e ciganos por fazerem parte da população mais pobre, com menos acesso a trabalho, educação, alojamento e saúde, mais discriminada pelas instituições e violentada pela polícia. Como se fossem, de novo, seres fora do espaço e do tempo, fora dos condicionamentos da sociedade onde vivem. Negar o racismo é omissão de auxílio.

A perversão da chamada cegueira cromática, outra manifestação da negação do racismo, que se verbaliza através dos típicos “eu não vejo raças”, “eu não vejo cores” e, portanto, sou um bom cidadão, é que ao não ver a cor de Bruno Candé Marques também não se pode compreender a sua vida e a sua morte e a influência que a tal cor que não veem exerceu nesse percurso letal. Será assim tão complexo compreender que raças biológicas não existem, que fazemos todas e todos parte da raça humana – ou outras belas frases que se queiram inventar –, mas que as raças existem enquanto construção social e política hierarquizante? Não existe qualquer problema em falar de cores, tal como não há qualquer problema em dizer que um indivíduo tem os olhos castanhos e outro os olhos azuis, o problema está na construção de hierarquias entre essas cores. Se não se vê a cor, não se vê a hierarquia e não se vê o racismo, e se não se vê o racismo nada é feito para o combater. Negar o racismo é perpetuar o racismo.

A negação do racismo é um privilégio mascarado de falsa ingenuidade que resulta em violência psicológica e política, pois corresponde a dizer na cara das pessoas racializadas que a sua vivência em sociedade é uma quimera, que aquilo que sentem é falso. Não se pode confundir o seu universo com o universal. A negação do racismo é tão ridícula como seria ridículo se uma pessoa cega nos dissesse que um objeto que conhecemos de forma distinta não existe porque nunca o viu. Negar o racismo é uma negação de existência.

Negar o racismo é racismo.

Luísa Semedo

At https://www.publico.pt/

A 27 de Julho, partiu um ditador: faz 50 anos

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…O Salazar era um saloio, um merceeiro, só sabia fazer contas de “deve e haver “… Tínhamos os cofres cheios de ouro mas 68% do povo não sabia ler nem escrever, não tínhamos uma única auto-estrada, mais de 58% da população viviam em barracas ou casas abarracadas, o povo morria de fome e de frio, morriam enterrados na lama dentro das barracas onde se protegiam da chuva, a maioria das crianças andavam descalços por não ter dinheiro para comprar sapatos, aos 5, 6 anos começavam a cavar batatas sem nunca terem frequentado uma escola, e chamam a este imbecil um grande economista. Um verme como o Salazar que tinha os cofres cheios de ouro mas deixou o país em ruínas, não passa de uma besta sem a mínima noção do que é governar o país. Era a mesma coisa de eu andar de helicóptero, ter os melhores carros e viver à grande e os meus filhos andarem descalços, rotos, cheios de fome, doentes, tuberculosos, morrerem por falta de assistência médica enquanto eu andava a exibir os meus anéis. O Salazar não passava de um saloio sem qualquer género de preparação para governar um país. Aliás, Era um indivíduo sem hábitos de trabalho porque nunca soube o que era trabalhar, nunca entrou numa fábrica ou em qualquer género de empresas. Organizou uma “família” mafiosa de criminosos que capturaram o país e ele também acabou por ser capturado por esses criminosos que mandavam para o Tarrafal os seus opositores onde os assassinavam. O Salazar fica na história como um dos ditadores mais sanguinário, a seguir ao Hitler. É esta merda que vocês defendem???”

Tó Marceneiro

At Facebook

Na mesma data, em 1976, “o general Ramalho Eanes foi eleito presidente da república nas primeiras eleições após a Revolução do 25 de Abril e da promulgação da nova constituição.”

Editorial “Linhas de Elvas”: “Sociedade de Animais”

FB_IMG_1595498220588Leu bem o título, sociedade de animais e não sociedade animalista.

Uma nação onde, a diário, os telejornais dão primazia e destaque a notícias sobre salvamento de duas tartarugas, ao resgate de uma gato pela PSP, se arrecadam milhares de euros e toneladas de rações para alimentar animais e se ignora olimpicamente o crescente número de pedintes humanos a viver nas ruas das grandes cidades, é uma sociedade de animais e não animalista.

A prova do que escrevo, e assumo, vai ser a chuva de críticas que imediatamente irão surgir de quem não consegue ler o que acabo de transmitir. Não, não estou contra o salvamento de animais, obviamente luto pelo seu bem-estar e pela condenação exemplar de quem os mal-trata. Mas isso não implica esquecer os seres humanos, aqueles que hoje em dia o politicamente correcto ignora e despreza.

As sucessivas crises financeiras, a ganância humana, os desgovernos eternos a que a sociedade actual tem assistido estão a salpicar as grandes urbes com milhares de pessoas sem qualquer tipo de apoio familiar, sem abrigo, sem carinho, sem amor nem compreensão. São olhados com desdém por quem passa, a não ser que tenham junto a eles um pequeno animal que lhes garanta alimento, pois cheiram mal e instalam-se em frente de montras de roupas luxuosas e isso incomoda esta geração de meninos mimados e arrogantes.

Editorial solidariedade

As televisões, desde as públicas às sensacionalistas e histéricas, só lhes dedicam reportagens nas vésperas de Natal e quando as temperaturas descem abaixo de zero. Adoram mostrar a gratidão pela sopinha, a esmola caridosa que se dá quando chega a autorização dos comandantes da nova ordem mundial e a selfie presidencial. Depois, nos 364 dias que restam de cada ano, as atenções são canalizadas para condenar quem impeça, no entender de tanto intelectualoide, o salvamento de algo que tenha mais que duas patas.

A manipulação da opinião pública, por parte de redes bem organizadas, prontamente abraça causas e condena, na praça pública, quem ouse ir contra os seus ideais. Castigar quem abandona um idoso, um doente, um desempregado, um pedinte? Porquê, se não paga impostos, não está filiado em qualquer sindicato nem sequer se pode levar para casa nem passear à trela? A favor destes ninguém se organiza nem há quem aponte o dedo aos responsáveis por tanta desumanidade.

Vivemos numa sociedade de animais. Que tristeza!

João Alves e Almeida

Director

Editorial é escrito de acordo com a antiga ortografia

Artigo de opinião: “Um sindicato sórdido”

Luis-Aguiar-Conraria_finalO medo não pode tomar conta de nós. É obrigação dos líderes de organizações que nos representam combaterem-no e promoverem a racionalidade

Numa altura em que por todo o mundo civilizado há cada vez mais consciência da necessidade de reabrir as escolas, em Portugal, a oposição vem de onde é menos razoável que venha: do principal sindicato de professores, a Fenprof. E essa oposição é feita de uma forma vil. Mário Nogueira ameaça o Ministério da Educação dizendo que, caso haja “situações de doença e de contágio, que possam pôr em causa a própria vida, a Fenprof acusará como responsável moral, e eventualmente até material pelas condições que não criou para que as escolas funcionassem, o Ministério da Educação, com a cumplicidade da Direção-Geral da Saúde”.

Não basta à Fenprof dizer que o Ministério da Educação é o responsável moral ou político por problemas que venham a existir nas escolas, fala mesmo em responsabilidade material. Objetivamente, ameaça com tribunais. E, desde que Leonor Beleza, antiga Ministra da Saúde, teve de responder em tribunal pelo crime de propagação de doença infeciosa, com dolo eventual (nem sequer foi por negligência), por causa de sangue contaminado, uma ameaça destas é credível e assustadora. Ora, isto é inadmissível.

As instruções dadas às escolas são proporcionais com o que se sabe sobre os riscos da doença. Na verdade, até poderão ser excessivas, mas não vou por aí. Mais vale pecar por excesso e depois ir cortando nos exageros. Repito: com o que se sabe, não com o que se especula. É muito improvável que haja crianças com menos de 18 anos que tenham problemas sérios com esta doença. Claro que poderá haver uns casos, mas não é um risco superior ao de muitos outros que aceitamos bem, como atropelamentos em frente às escolas ou o vírus da gripe.

Sim, leu bem. Entre crianças, a gripe parece ser mais letal do que o novo coronavírus. De acordo com um estudo publicado na revista médica JAMA Pediatrics, até 28 de Abril tinham morrido nos Estados Unidos 8 crianças com covid e 169 com gripe. Isto entre crianças com menos de 15 anos. Este e outros dados levam os autores “enfatizar que os custos associados às infeções com covid-19 em crianças são relativamente baixos quando comparados com a gripe sazonal” — tradução minha.

A principal medida que se contesta é a de que os alunos devem estar, no mínimo, a um metro dos colegas, podendo, caso não haja condições, ser menos. Mas esta distância é razoável. Tratando-se do grupo etário com menor risco de todos, não se justificaria que o distanciamento fosse o mesmo que é exigido na generalidade das situações. Além disso, acima dos 10 anos, já se exige que as crianças usem máscaras para reduzir os riscos. E se, como sabemos, já há escolas que não conseguirão cumprir o desejado metro de distância, seria irrealista exigir ainda mais. E, na verdade, nada disso interessa para os professores, esses sim com maior risco. Quer as crianças estejam a um metro umas das outras quer estejam a metro e meio, o professor estará junto ao quadro. É a distância entre o professor e a fila da frente que tem mesmo de ser assegurada. Vale a pena lembrar que já em vários países se retomaram as aulas e que não há indicações de a pandemia se ter agravado seriamente por causa disso. Há apenas um ou outro foco localizado com que, naturalmente, se tem de lidar localmente.

Posso assegurar que não há riscos? Claro que não. Todos temos medo e eu sei bem o que isso é. Tenho uma filha de 12 anos com uma doença que a coloca nos grupos de risco. Mas o medo não pode tomar conta de nós. É obrigação dos líderes de organizações que nos representam combaterem-no e promoverem a racionalidade. Ter a Fenprof a instigar o medo, fazendo uma chantagem que, se bem sucedida, terá como único efeito adiar o regresso às aulas presenciais, é sórdido.

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Ontem, em Coimbra, cruzei-me com o cartaz que vêm na foto. Nesse cartaz, feito por sindicatos afetos à Fenprof, diz-se que as escolas e os professores são insubstituíveis. Não posso estar mais de acordo: sem a escola, não é possível combater as desigualdades económicas, sociais e culturais. Só com a escola, e com os professores, os portugueses poderão alargar os seus horizontes e Portugal desenvolver-se. E, como cada vez mais estudos demonstram, essa escola tem de estar fisicamente presente. As crianças precisam de ver os seus professores (e vice-versa, diga-se, mas não é esse o tema de hoje).

Sem uma escola presencial, o país continuará a meio gás — com as mulheres, mais uma vez, a serem especialmente sobrecarregadas, agravando-se assim uma forte fonte de desigualdade em Portugal. E, se, na verdade, grande parte dos perigos associados à covid são especulações com pouco suporte científico — os jornais noticiam como factos o que muitas vezes não passam de hipóteses ou exceções —, já os danos económicos e sociais do estarmos enfiados em casa são cada vez mais claros. Se não conseguirmos sacudir o medo que nos rodeia e aprendermos a viver com o vírus, a catástrofe económica e social é certa.

Não faz sentido combater riscos incertos com táticas que são um desastre certo. É como se alguém decidisse cortar uma perna por causa de um caroço com mau aspeto que lá nasceu. Até pode ser a decisão certa, mas antes de se cortar a perna é necessário confirmar que é mesmo necessário.

Luís Aguiar-Conraria

At https://expresso.pt/

Opinião: “Lembram-se?”

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Alguns não se lembram, outros nem se querem lembrar, muitos desconhecem. Por esta época, nas revistas “do social”, era o período áureo das festas de verão, dos “dias nacionais” das embaixadas lisboetas, dos que “recebiam”, era o início dos eventos chiques da “saison” algarvia, um mundo cheio de nomes sonantes, uns porque sim, outros porque eram repetidos à exaustão. A Comporta só veio mais tarde, o norte nunca foi muito “in”, salvo no registo de quem ia para os nevoeiros nobilitadores do Moledo.

Era o Portugal “dourado” da época, assente nos fundos europeus e na nova classe política, das fortunas antigas ou do dinheiro novo, das empresas na moda. Era o estatuto no novo regime. Em noites resplandecentes, eles estavam de smoking ou de calças vermelhas e camisas abertas até à cruz no peito, elas, “produzidas”, de longos cabelos loiros, peles escurecidas, sorrisos de circunstância, guarda-roupa muito cuidado. Alguns lutavam para aparecer nessas ocasiões e para a sua presença ser citada, às vezes pelos “nick names”. Os menos poderosos e mais arrivistas metiam cunhas aos fotógrafos ou a umas senhoras que iam dando indicações sobre de quem guardar a imagem para essa efémera posteridade, se me permitem a contradição. Outros estavam lá pela ordem natural dessas coisas, pelo apelido, pela “função” social, porque sim. Depois, com maior ou menor destaque, lá saíam todos, em papel “couché”, no “Olá Semanário” e revistas parecidas, num arremedo do que se fazia em Espanha, uma terra com mais aristocracia e “grandes” para mostrar.

Nos dias de hoje, a “Olá”, que até chegou a ter graça, desapareceu já há muito, mas surgiram entretanto os seus sucedâneos, mais modestos mas, nem por isso, menos coloridos. Ainda apareciam nas fotografias as crianças, hoje, pudicamente, com as caras glicerinadas, como nos quadros do Noronha da Costa. A sociedade – que, a certa altura, tinha já sido substituída por reportagens de casamentos e batizados de ignotas famílias, que pagavam o frete a metro – deixou definitivamente o lugar aos atores e atrizes das telenovelas, aos futebolistas, às figuras televisivas, aos saídos dos “big brother”. Reportam hoje separações, óbitos, azares, doenças, namoros, ciúmes, intrigas, perdas de emprego, programas que começam ou acabam, coisas assim. Para quem não segue muito esses mundos, chega a não ser fácil saber quem é essa “beautiful people” de nova extração. Mas que há quem ainda goste, lá isso há!

Por que me lembrei disto? Foi ontem, ao ver nas televisões as imagens de arquivo do caso BES. Recordei-me que há um mundo que, por um novo e receoso pudor, temente à inveja que campeia e à crítica raivosa da ostentação dos outros, tida como ofensiva para as desigualdades, passou a viver as suas festas atrás de muros e a ter uma vida social em voz mais baixa. Hoje, mostrar os cavalos ou os carros de última gama, as festas de champanhe e caviar, ostentar as jóias e tudo o que possa ser lido como sinais exteriores de riqueza, como belas mansões e até excessiva alegria passou a não estar no “l’air du temps”, no politicamente correto. É uma hipocrisia, deixemo-nos de coisas!, mas é assim mesmo. Essas pessoas passaram a ter de ser mais discretas, mais contidas na exposição da sua imagem. É a nova vida!

Francisco Seixas da Costa

At Facebook

Opinião: “A desistência do respeito mútuo”

Raquel 9719966António-Coimbra-de-Matos-e-Raquel-VarelaQuando fui com 18 anos viver para a Alemanha pensei que Portugal era o fim do mundo. Não porque por terras de germânicas há mais riqueza. Nada me causou nos primeiros dias tanta estranheza como ver a minha colega de casa, estudante de medicina, ir às 6 da manhã, feliz, de patins, com frio, neve, para a Faculdade. Havia esfera pública. Pensei, caramba!, que lugar evoluído. Na aldeia onde temos em casa, em Portugal, que terá de distância de uma ponta à outra 1 km e meio, uma parte das pessoas vai ao café de carro e acham graça eu por lá andar de bicicleta – olham para mim como um antropólogo em África no século XIX olha o seu objecto de estudo. Os filhos estão na sua maioria fechados com uma Playstation, porque, entre outras razões, a rua é dos carros e é efectivamente perigosa. A acumulação e a circulação de mercadorias e pessoas não pode parar, por isso fecham-se as crianças em casa. Somos, nesta matéria, hoje, mais primitivos. Temos uma das mais altas taxas de morte nas estradas.

Recordo-me de, muito pequena, uma cena inesquecível. Conto-vos como a memória me trouxe ela até hoje. Estava o meu irmão e o seu grande amigo a jogar ténis num passeio na Zambujeira do Mar e nós todos a brincar na rua, e os nossos pais a conversar animados nos cafés, na altura em que era uma vila de pescadores a sério. E dois ou três homens entraram na terra, num carro, muito rápido, voaram pelo passeio, quase os atropelaram e foram bater num muro, que destruíram. E que os salvou, impedindo-os de cair na falésia. Todos no velho café Rita ficaram chocados com aqueles assassinos à solta, que por pouco não tinham morto dois jovens e a si próprios, e depois de os tirarem do carro e ver que não estavam feridos, deram-lhes um valente murro. Hoje, na Zambujeira, ou na aldeia onde tenho casa a norte do Tejo, ou na minha rua histórica, na área de Lisboa, onde o limite legal é 30km/hora, todos os dias passam uns animais, que fora do carro até podem ser pessoas humanas, a 50 e 70 km/hora. Aliás, na aldeia já por duas vezes o nosso muro foi destruído por embates de carros. E ninguém ousa dar um murro, que seja um grito, neste delírio individualista em que estamos sufocados. Não há posições colectivas de defesa da comunidade. Isto levou a uma situação em que pedestres, crianças, ciclistas e idosos, todos vivemos com um arma apontada à cabeça – essa arma chama-se carro. Ontem morreu uma jovem de 16 anos, pode ter sido um acidente, um outro jovem que teve um AVC ao volante, por exemplo. Pode, mas é pouco provável. O que é mais provável é que ali não há limites de velocidade correctos, as passadeiras não têm lombas, avisos sonoros, listas vermelhas, e a educação para a condução é “prego no fundo” – aliás os anúncios de vendas de automóveis continuam a estimular a velocidade como acto de liberdade.

Somos prisioneiros no espaço público. Que foi completamente dominado ou por estradas ou por parques de estacionamento. O Governo, complacente com a indústria automóvel, lava as mãos disto anunciando todos os anos mortos na estrada, atropelamentos, como “acidentes”. Há, é verdade, acidentes. Mas, a maioria dos mortos não resultam de “acidentes” mas de erros evitáveis. Naturalizou-se o que é social, e não acidental – a falta de educação, de civismo, de respeito, de fiscalização, de serviço público de segurança rodoviária, e de estradas decentes. Em vários países da Europa zonas residenciais e aldeias ou ficaram sem carros ou têm um limites claro, e fiscalizados, de 30 a 50km/hora. Onde há crianças e escolas, como no Campo Grande, sempre 30km/Hora. Cá em Portugal vê-se de tudo: animais colados à traseira do carro da frente; a fazer marcha atrás acelerando; atravessando aldeias a 70 km/hora, 90 km/hora; estradas que são elas mesmo criminosas. E a polícia tem como função de quando em quando passar umas multas que visam recolher impostos. Campanhas de educação deixou de haver de todo. As pessoas, ao contrário da Zambujeira há 40 anos, desistiram de ser uma comunidade que luta e age pelo respeito mutúo.

Tenho muitos amigos, alguns próximos, que são maravilhosos e quando pegam no carro são uns animais. Disney fez um dia uma ilustração Mr Walker e Mr Wheeler – o Sr Pedestre é um homem delicado e educado, quando entrava no carro transmuta-se no Sr Rodas, uma besta incontrolável.

Raquel Varela

At Facebook

Artigo de opinião: “A ministra, o barrete e a pega”

joaquim-nascimentoO que agora nos governa são políticas exclusivas em que o preconceito ideológico está ao serviço do mais primário sectarismo e em que a ministra não só não sai em defesa da cultura do seu país, como é ela própria a intérprete da agressão.

O mantra “entendamo-nos”, ou o ainda mais imperativo “entendamo-nos bem” fazem parte da linguagem fria frequentemente utilizada no discurso autoritário de uma certa clique que se tem por vanguardista e sabichona para policiar e chamar à razão as massas. Em aparente paradoxo, o pacote proveniente do espectro político mais frequentado por estas luminárias costuma também trazer uma atitude religiosa consubstanciada na utilização de uma moral de culpa tão tipicamente judaico-cristã. Insuportáveis, na sua unção, gostam então de se pôr a julgar: Aficcionado? Culpado de crueldade. Come carne? Culpado das alterações climáticas. Caçador? Culpado de atentar contra a biodiversidade. Agricultor? Culpado pela insustentabilidade. Feliz? Culpado pelo desuso. Isto é, o rabo racional esconde o gato inquisidor e, quando acaba a assumir responsabilidades governativas, o felídeo faz questão de não deixar os seus créditos por garras alheias.

Forcados

Há já quase dois anos, qual Rá, chegou para nos iluminar a actual ministra da Cultura. Dando-se ares de quem das coisas do campo sabe que serão “tipo uma maçada com vegetação, bichos e assim”, trouxe, no entanto, com ela um verdadeiro estado da arte na produção de “civilizações”. Recentemente, foi ao indigenato transtagano que ela concedeu a honra de pastorear na sua descida até à planície. Embora entre Évora e Elvas lhe tenham ocorrido diferentes versões da esfrega, veio então a Sra. ministra mostrar-nos como funciona o departamento da cultura democrática.

“São palavras ofensivas e atacam as pessoas que têm uma paixão e um sentimento positivo por uma prática que no nosso país é considerada cultural”. Esta foi a pronta resposta do ministro da Cultura espanhol ao dono da empresa Neat Burger, mais conhecido por ser o actual campeão mundial de Fórmula 1. Esta empresa comercializa hamburgers vegan e as ofensivas palavras “verdadeiramente repugnante, Espanha!” surgiram num post ao lado de um touro de lide morto que seguramente não seria destinado a ser servido nos seus restaurantes. Como agora em Espanha, em Portugal também já tivemos autoridades como o Presidente Jorge Sampaio a providenciar as adequadas condições para o enquadramento institucional da tauromaquia a partir da dialéctica que deve ser intrínseca a estas temáticas. Chamou-lhe “pluralismo cultural”, por forma a promover a diversidade e a tolerância de políticas inclusivas.

Em vez disso, o que agora nesta matéria nos governa são políticas exclusivas em que o preconceito ideológico está ao serviço do mais primário sectarismo e em que a ministra não só não sai em defesa da cultura do seu país, como é ela própria a intérprete da agressão. “Há valores civilizacionais que diferenciam políticas” e “a tauromaquia não é uma questão de gosto, é uma questão de civilização” são pérolas retóricas com que nos acossou na Assembleia da República antes de vir a Évora para, de forma acintosa e grosseira, se recusar a receber um barrete de forcado da parte do “incivilizado” grupo desta cidade-museu e património mundial UNESCO.

É que Évora, sendo uma cidade histórica, é também cosmopolita e expoente de uma moderna ruralidade e aquele barrete de forcado era bem a representação dessa síntese de tempos e de gentes no centro do amplo espaço cultural nacional do touro bravo. Se é legítimo o desacordo individual de alguém que, por receber um barrete de forcado teme ser sugada para uma máquina do tempo que a transporte até à Idade da Pedra, da ministra da Cultura de um país civilizado são inaceitáveis a acrimónia, a soberba e a falta de respeito a um símbolo identitário com as cores nacionais. É duma reminiscência de origem militar que procede a farda de forcado. Pontuada pelo vermelho por referência ao perigo, ao sangue mas também à paixão, tem três elementos principais: o barrete verde e o calção cor de trigo simbolizando os ciclos contínuos de uma natureza perene com o que nela começa verde para depois amadurecer, e a jaqueta com as ramagens a aportarem uma estética significativa da capacidade do Homem para elaborar em complemento ao que é natural.

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Ficando assim qualificada a indumentária para a solenidade, é, no entanto, o barrete a peça de maior protagonismo. Distingue o forcado da cara na pega, é com ele que é feita a saudação aos representantes do Estado através da Inspecção Geral das Actividades Culturais e serve também para a dedicatória prévia e posterior agradecimento dos aplausos. Por ser a peça de maior significado institucional, a jaqueta é devolvida ao grupo no fim do tempo de participação do forcado. Já o barrete é guardado como relíquia pessoal para poder ser passado de geração em geração, até ser recusado pela Ministra da Cultura do mesmo país em que é um símbolo cultural. Para além disso, é também a síntese de um sistema de valores tal como ele vem sendo divulgado a partir de 1915. Deste então, com a sua fundação, o Grupo de Amadores de Santarém, estabeleceu as actuais referências técnicas, estilísticas e comportamentais para os intérpretes da moderna arte de pegar touros e por isso já foi condecorado por três presidentes da nossa República.

Haverá desconsideração pela condição da mulher em Podence porque os diabólicos Caretos perseguem e chocalham as raparigas no Entrudo? Será a Falcoaria um anacronismo por ser uma forma de caça com luta entre animais? E será para estes humilhação a Arte Chocalheira? O Cante alentejano ser quase sempre interpretado por homens e os Bonecos de Estremoz serem originariamente só feitos por mulheres porão problemas de desigualdade de género? A questão é qual o enquadramento adequado e em que plano é relevante estas matérias serem analisadas. Porque se para a UNESCO há justiça na sua classificação como património cultural imaterial da humanidade, para a nossa sensível e ensimesmada ministra, o mais provável é haver também por aqui problemas com os “valores civilizacionais”.

A tauromaquia é uma das genuínas expressões culturais que enriquecem o nosso país, devendo por isso encontrar representação e ser acarinhada no ministério da cultura. Tendo também ela a sua principal expressão na geografia e no caldo cultural que já ofereceu a Portugal a maior parte do nosso património cultural imaterial da humanidade. Se somos assim culturalmente tão reconhecidos pela UNESCO, por que vem cá a nossa própria ministra da Cultura para desconsiderar e discriminar sem a mínima civilidade e em completa ausência de sentido de Estado?

Diletante, começou por nos informar que havia 170 obras de arte no seu ministério que não se encontravam desaparecidas, do que precisavam era de uma localização mais exacta! Negligente, já em pandemia, propôs um Festival de Artistas Confinados TV Fest, em que num esquema de pirâmide, a cada artista caberia indicar os seguintes a actuar! Trapalhona, arranjou confusão não só com os critérios que lhe permitiram eleger as Edições Avante para ajudas covid-19 à comunicação social, mas também com as contas no apuramento dos montantes para a atribuição desses apoios extraordinários! Refém do politicamente correcto, não consegue a sra. ministra inspiração que lhe desentorte um ministério disfuncional e asséptico, nem desígnio que possa oferecer à cultura do seu país! Inconsciente, no seu radicalismo afectado, não se dá conta que a sua incompetência técnica e a sua falta de elevação acabam a alimentar um radicalismo oportunista de sinal contrário, ultramontano e demagogo. Alguém disse que “decente é não tratar mal ninguém”. Se à Sra. ministra custa a inteligência, ao menos lhe valesse a decência para a demissão.

Agricultor (Olivicultor – Ervedal-Avís)

At https://www.publico.pt/

Artigo de opinião: “Quando a capa de um jornal não bate certo com o seu editorial”

capa público 27

1. A 27 de junho, com a divulgação da ordenação de escolas, Manuel Carvalho defendeu, em editorial no Público, que «os rankings não servem para criar hierarquias de escolas no sistema» mas sim, «pelo contrário, para provar que, em igualdade de circunstâncias, há escolas que brilham e outras nem tanto». E acrescenta, aproveitando para criticar os críticos, que hoje «os pais ou os professores sabem que a ordenação de acordo com as notas tem apenas uma função indicativa». Ou seja, «sabem que não é possível comparar uma escola pública de um bairro urbano de classe média alta com uma outra de um bairro habitado por população desfavorecida».

2. Talvez Manuel Carvalho não se tenha apercebido, mas quando se escolhe para destaque, na primeira página do jornal, que «os colégios privados ganharam terreno» face à escola pública, o Público presta justamente serviço àquilo para que os rankings «não servem», segundo o seu diretor (isto é, para «criar hierarquias de escolas no sistema»). Porquê? Porque continuando os colégios a não disponibilizar dados sobre o perfil sócio-económico dos seus alunos (habilitações dos pais e benefício de Ação Social Escolar), ao contrário do que fazem as escolas públicas, não é possível demonstrar, em termos de comparação público-privado, que «em igualdade de circunstâncias, há escolas que brilham e outras nem tanto». Ou seja, aquilo para que os rankings «servem», segundo o próprio Manuel Carvalho.

3. Por outro lado não sabemos, e era importante sabermos, em que é que o diretor do Público se baseia para afirmar que hoje «os pais ou os professores sabem que a ordenação de acordo com as notas tem apenas uma função indicativa», não sendo influenciados nas suas escolhas, deduz-se, pela simples ordenação das médias de exames. Fez algum inquérito, conhece algum estudo? Tem algum dado objetivo que suporte essa ideia ou é mesmo só «achismo»? Como explica Manuel Carvalho que as escolas privadas continuem reiteradamente a não fornecer dados do perfil sócio-económico dos seus alunos, se os pais, como diz, sabem que não é possível comparar uma escola «de um bairro urbano de classe média alta com uma outra de um bairro habitado por população desfavorecida»? Tem a certeza de que não é pelo risco de os privados saírem mal na comparação, por procederem à seleção dos seus alunos?

4. Se o diretor do Público quiser mesmo levar a sério a «utilidade» dos rankings, nos moldes em que o próprio a define («provar que, em igualdade de circunstâncias, há escolas que brilham e outras nem tanto»), faça uma opção editorial em coerência no próximo ano: exclua da análise, logo à partida, todas as escolas privadas que não lhe fizerem chegar dados sobre a informação sócio-económica dos seus alunos, evitando assim manchetes e conteúdos manhosos, redutores e, por isso, perversamente desinformativos.

Adenda: Como é sabido, o Ministério da Educação está desde 2001 obrigado, por força de decisão judicial, a fornecer os resultados dos exames aos meios de comunicação social, que procedem, eles próprios, à elaboração de rankings. Isto é, não podendo exigir-se ao ministério que apenas disponibilize informação relativa às escolas que enviam dados sobre o perfil sócio-económico dos seus alunos, cabe aos próprios meios de comunicação (e às escolas privadas que concordem com a partilha desses dados, por uma questão de transparência ou pelo facto de não incorrerem em práticas de seleção de alunos), assegurar a necessária seriedade e rigor do processo.

Nuno Serra

At https://ladroesdebicicletas.blogspot.com/