PRÓLOGO
O Rei Dom Luís, quando tinha alguma dúvida sobre questões de leis, mandava chamar em sua presença José Maria da Graça Mota e Moura, influente jurista da Corte, pertencente à família dos viscondes de Vale de Sobreira, aristocracia rural do Alto Alentejo. O bisneto, Luís Vieira, é, aos 88 anos, uma figura muito estimada em Nisa, conhecida pelo seu sportinguismo ferrenho e amor à terra. Mas a filha, Maria da Graça, não se casou com um alentejano, mas, sim, com Francisco, um advogado nascido em Lisboa com descendentes minhotos (Covas, concelho de Vila Nova de Cerveira), também estes ligados à agricultura. Assim se juntaram os Duque do Norte e os Vieira do Sul. Nesta combinação de leis e terra nasceu, em Elvas (19/10/57), Luís José Vieira Duque, o segundo filho de uma longa prole:
Francisco, Luís (o próprio), Zé Paulo, Graça, Manuel, Fernando, Pedro e Isabel, por ordem de chegada ao Mundo.
INFÂNCIA
O pequeno Luís não teve tempo de aprender a gostar do Alentejo, pois, com dois anos, já estava a caminho de Penafiel, a primeira etapa de uma longa caminhada por terras como Paredes de Coura, Ponte de Lima, Coruche e Lisboa, enfim, para onde quer que o pai fosse chamado a exercer a sua profissão, de comarca em comarca, dado que era juiz (foi também procurador da República). Mas Luís cedo percebeu que o amor à terra corria-lhe nas veias e o período de férias era sempre aguardado com grande entusiasmo, pois significava uma visita a Nisa e a companhia do avô Luís, com quem criou uma enorme cumplicidade.
As crianças foram crescendo à roda de uma mãe extremosa, cozinheira de primeira qualidade, uma mão de fada para doçarias (e Luís era um grande comilão, o que lhe deu uma compleição roliça), e à sombra de um pai atencioso mas exigente, fiel a uma educação clássica com pouca margem para rebeldias. Assim manteve a família unida nas crises. No entanto, Luís cedo mostrou uma personalidade demasiado extrovertida e brincalhona para ficar contida num padrão de conduta severo. Tornou-se o centro das atenções de toda a família com as brincadeiras que inventava. Nas festas, imitava tocar viola, bateria e outros instrumentos musicais, mas, na realidade, só viria a tentar aprender o uso da guitarra portuguesa, passatempo que deixou para trás por falta de disponibilidade. Mas o fado é um gosto que ainda hoje cultiva.
Com Zé Paulo, o irmão que o segue cronologicamente, nunca conseguiu criar muita intimidade, devido a feitios diferentes, e foi Manuel, com quatro anos a menos, quem ganhou a sua simpatia, pelo que muitas vezes o juntava ao seu grupo de amigos. E é o próprio Manuel quem conta uma história representativa da capacidade de engenho e imaginação do irmão.
Tinha Luís 13 anos quando chamou os manos e manas mais novos e anunciou: “Vou abrir um banco. Vocês entregam-me o vosso dinheiro e eu devolvo-o com juros.” Desconfiados, ainda foram perguntar ao pai como funcionava um banco, sem, no entanto, denunciarem a ideia do irmão. Aquele confirmou a história dos juros e, mais confiantes, lá entregaram as pequenas economias.
Três meses depois, o clã foi pedir contas ao banqueiro. “Tenho algo a anunciar”, disse solenemente, “o banco faliu”.
O feitio contagiante de Luís fez com que muitas das suas brincadeiras, mesmo as de mau gosto, fossem esquecidas ou perdoadas (costumava emprestar dinheiro aos irmãozitos, nunca o negava, mas ficava com um objecto pessoal como garantia), e até aos castigos do pai conseguia escapar, com a sua grande capacidade comunicativa, que viria a ser refinada, muitos anos mais tarde, sob a influência de Krus Abecasis, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, um homem que o ensinou a chegar mais depressa às pessoas. Mas não nos adientemos.
JUVENTUDE
A sua casa começou a ficar demasiada pequena para as traquinices. Certa noite, o avô Luís Vieira recebeu um telefonema do neto, que estava numa residencial em Castelo de Vide e não tinha como regressar a Nisa. O ancião, que nutria carinho especial pelo jovem, agora com 16 anos, lá o foi “salvar”, mas apenas para o encontrar a dormir no quarto. “Então, dizes para te vir buscar e ainda não estás pronto?” Resposta: “´Vou só vestir-me enquanto o avô paga a conta, está bem?”
Quando a família Duque se mudou para Coruche, deparou-se-lhe um problema: a falta de escolas para os dois filhos mais velhos. Por isso Luís concluiu os 6º e 7º anos no Liceu Camões, em Lisboa. O passo para a Universidade (Clássica) foi natural, assim como a sua escolha: Direito. Não por influência do pai, mas, sim, por uma tendência, seguida igualmente por Manuel (desistiu) e Fernando (licenciado). Em Lisboa reencontra um grande amigo de infância, Alexandre Mariano, actualmente veterinário em Aveiro e companheiro de farras nos tempos da Faculdade. Nomes como Santana Lopes.
Aliás, as farras já vinham de trás, pois Luís aproveitava a ausência dos pais, na casa de Coruche, para organizar umas festinhas com os amigos.
Não foi um aluno brilhante, mas aplicado e ciente de que estava ali para tirar um curso nos anos propostos. Teria-o conseguido se uma doença não o tivesse atirado para a cama durante algum tempo e depois a tropa não reclamasse a sua presença, estava ele no quarto ano. Ainda assim, o ano de atraso não o impediu de concluir a tarefa. Nesses, tempos, morou perto da Faculdade de Veterinária, frequentada pelo amigo Alexandre, e, embora se vivesse ainda a ressaca do 25 de Abril de 1974, Luís não era um grande entusiasta de movimentações estudantis. Entre uma imperial no Gambrinos ou na Portugália, um jantar no Solar dos Presuntos (então uma acessível tasca com mesas de pedra, que o dinheiro de estudantes era parco) e um pé de dança no Primorosa de Alvalade ou no Stones, o jovem Duque foi-se adaptando à vida alegre da cidade lisboeta. Conta Alexandre que, certa vez, o grupo de amigos comprou bilhete de comboio para Cascais, mas, ao entrarem na carruagem, resolveram tornar a viagem mais interessante e atiraram os bilhetes fora. Luís, com a sua capacidade de expressão, foi um dos que mais batalhou para dar a volta ao aborrecido cobrador e convencê-lo de que tinham adquirido e deitado fora os papelinhos. Conseguiu.
Mas, nas férias, tornava-se um homenzinho responsável e trabalhava para ganhar dinheiro. Como monitor em colónias de férias, por exemplo.
Sempre foi um bom gestor. Nunca perdeu dinheiro nos negócios. Essa capacidade começou a ser notada quando comprou o primeiro carro, a um tio, com o dinheiro ganho nas férias, um velho Chevrolet que até parado consumia gasolina. Rapidamente o vendeu e comprou um Renaut 6. Também adquiriu duas motorizadas para as vender com lucro. E mulheres? Conta quem o conheceu na altura de que era namoradeiro e até se safava bem, muito graças ao seu trato fino e simpático. E foi assim que conheceu a esposa, através de uns amigos. Mesmo depois de casado, já a morar em Valada, Ribatejo, era raro o dia em que não aparecia em casa dos pais para almoçar. A ligação à família sempre foi e é muito forte.
FUTEBOL
O desporto sempre fez parte da vida de Luís Duque. Na faculdade, por exemplo, praticou râguebi. Chegou a participar numa corrida de fundo, ganhando uma medalha, e também gosta de ténis. O futebol sempre foi mais para ver. No mundo do desporto-rei encontrou muitos dos melhores amigos, como Alberto Silveira (foram vizinhos em Arroios ainda não se conheciam bem), Luís Filipe Soares Franco, Rui Gomes da Silva e Pessoa e Costa. Com alguns deles, reúne-se regularmente em jantaradas, muitas vezes num restaurante em Campolide, onde mostra a sua natureza extrovertida e a facilidade de diálogo, numa espécie de tertúlia em que os touros também são tema de conversa e a diferença clubística (Silveira, por exemplo, é benfiquista) serve para tornar a conversa mais interessante. Gosta de anedotas, até de alentejanos, mas nunca deixa de se admitir como um regionalista convicto. É muito amigo dos seus amigos, mas, dizem, tende a assumir certas posições que lhe trazem amargos de boca.
Foi com Nuno Krus Abecasis, presidente da câmara de Lisboa, de quem foi adjunto até ao final do seu mandato, em 1989, que Luís Duque aprendeu a utilizar a sua excelente capacidade de comunicação em benefício das suas causas. Quando assumiu a presidência da AFL optou por uma postura de combatente-activo e na memória ficou a sua ruidosa confrontação com Pinto da Costa, em 1994, quando deu conta da prepotência da AF Porto e acusou as associações e clubes nortenhos de quererem levar as estruturas do futebol português para o “abismo”.
Quando os clubes da AF Lisboa ameaçaram entrar em greve por causa dos subsídios das deslocações às ilhas, soube encontrar um consenso, através da forma resoluta como encarou a situação. E quando colocou a ideia na cabeça de concorrer às eleições da FPF em 1998, depois de uma tentativa abortada no sufrágio anterior, foi até ao fim, mesmo sabendo que as suas hipóteses eram nulas. Nem sequer contou com o apoio do seu Sporting, na altura em clara sintonia com o FC Porto, que apoiou Gilberto Madaíl. Mas José Roquette, mesmo preso pelo pacto com os portistas, não deixou, nos bastidores, de incentivar Luís Duque e este acabou por compreender a posição do presidente dos leões.
TOUROS
O chamamento da terra foi feito através da figura emblemática do avô Luís Vieira, de Nisa. E os touros, uma paixão com tradição na família (lado materno), surgiram naturalmente na sua vida. Foi ele quem apresentou o irmão Manuel, então com 17 anos, ao amigo Tomás Dentinho, para que aprendesse as lides das pegas de touros. Manuel viria a ser cabo dos forcados, uma espécie de capitão de equipa, na gíria futebolística, nos Aposentos da Moita. Era também o primeiro a segurar o bicho pelos cornos.
Apesar de gostar de touradas e de ser um bom cavaleiro (ainda hoje, sempre que pode, monta cavalos, sobretudo “Jade”, um macho da quinta de Miguel Cintra, filho de Sousa Cintra), Luís Duque nunca teve coração para as pegas. Bastavam-lhe as brincadeiras nas corridas de vara larga, com novilhos e vacas, durante as festas populares. Na única experiência mais a sério que teve, na praça de Nisa, com um touro “suplente”, foi parar ao hospital e de lá saiu com 12 pontos na cabeça. Um entusiasmo de juventude bastante diferente do que se passou há quatro anos: já na condição de administrador da Praça de Touros do Campo Pequeno, voltou a tentar uma pega de touro, numa garraiada académica, e acabou com uma perna partida.
Mas Luís Duque é perseverante e quando mete algo na cabeça vai até ao fim. Assim foi quando, na mesma qualidade de administrador daquele recinto lisboeta, resolveu trazer a Portugal os Ronaldos dos touros: os Miura. São os mais bravos do Mundo e, para que tudo corresse bem, Luís Duque rumou a Sevilha, à quinta de Zahiriche, para coordenar o transporte de seis desses terríveis animais. Lá conheceu o mítico Dom Eduardo Miura, que, conta Fernando Camacho, empresário tauromáquico que o acompanhou, a dada altura exclamou: “Você (Luís Duque) é o terceiro português a sentar-se à minha mesa.” A honra só havia cabido a Fernando Camacho e Palha Blanco.
E tão obstinado esteve com a vinda de Pedrito de Portugal a Lisboa que não descansou enquanto não consumou a ideia: trazer um matador de touros que estava a fazer grande sucesso em Espanha e que só havia pisado uma arena nacional como novilheiro, na Moita. Custou o maior “cachet” até aqui oferecido a um toureiro em Portugal, mas, em três sessões, o público encheu o Campo Pequeno. Mas a sua admiração vai para o cavaleiro João Moura, amigo pessoal.
SPORTING
Luís Duque não é sportinguista desde pequenino, nem nunca passou por tal. Até aos 18 anos, o futebol não encontrou um espaço muito relevante na sua vida, apesar da tradição leonina da sua família, sobretudo o avô Luís Vieira e o tio Fernando, “doentes” pelo clube de Alvalade. Nem sequer tomava partido nas discussões entre os irmãos Manuel, benfiquista, e Fernando, sportinguista, que chegavam a terminar à estalada, assim como não deu grande importância à costela portista do mano Pedro (que ainda hoje se mantém).
Após a sua mudança para Lisboa, em 1972, e por influência dos amigos, alguns deles sócios do Benfica, rumou ao Estádio da Luz em várias ocasiões, pois, muitas vezes, não pagou bilhete, dado ser ainda miúdo e estar acompanhado por sócios. Mas Alvalade também foi um destino privilegiado, dado que o tio Fernando, sócio, o levava várias vezes. E foi assim que a costela leonina começou a solidificar-se, mas só após a sua saída da faculdade se tornou militante convicto, por influência do ministro da Justiça do Governo AD de Pinto Balsemão, Azevedo Soares, de quem era assessor e que o introduziria no CDS, assim como de Mário Garcia, então presidente da AFL e sportinguista e também João Rocha, presidente do clube de Alvalade. Respirou de alívio o avô que já vira dois netos “tresmalharem-se” para os rivais.
Luís Duque tornou-se sócio e, hoje, os quatro filhos (dois rapazes e duas raparigas) também têm cartão. Aliás, os gémeos nasceram na mesma noite (29/09/82) de uma goleada ao Dínamo Zagreb (3-0), na última participação dos leões na Taça dos Campeões, o que obrigou a muitas movimentações nos corredores da maternidade, dado ter um ouvido nas notícias do futebol e os dois olhos na sala de parto.
Foi membro do Conselho Fiscal na presidência de Amado de Freitas, mas preferiu entrar no mundo do dirigismo desportivo através da AFL, primeiro como adjunto, depois como presidente, a partir de 1993. No entanto, continuou a trabalhar nos bastidores, sendo de sua responsabilidade (compartilhada com João Pessoa e Costa e Abrantes Mendes) o aparecimento de Sousa Cintra como candidato à liderança do clube. “Foi ele o culpado.
Desafiou-me…”, confirma Sousa Cintra, para cujo Grupo Empresarial Luís Duque ainda trabalha, na área do imobiliário.
Foi igualmente um dos responsáveis pelo “empurrão” a Santana Lopes, para que este assumisse a presidência do clube leonino e, na condição de presidente da AFL, saiu em defesa do seu clube aquando do “caso Sporting-Ovarense”, que envolveu o jogador Luís Manuel. A FPF moveu-lhe um processo de irradiação do futebol como dirigente, que acabou por não ser levado avante.
César de Oliveira
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