Contaram-me que um site chamado Jovem Conservador de Direita (não conhecia, confesso) terá feito umas piadas sobre mim quando referi na RTP que hoje os filhos dos pobres têm bons telefones, ser rico é ir para acampamentos ao ar livre, portanto o problema central da educação não está em ter acesso às tecnologias, expliquei. Ele tem que produzir materiais e tentou argumentar que eu era uma intelectual da esquerda caviar, que viveria num castelo, e que não sabe que os pobres não têm bons iPhones. Ao que parece a coisa teve muitos comentários e partilhas. Conheço algo da sociologia do país e pertenço, infelizmente, a uma “elite” intelectual. Os filhos dessa “elite” nunca tiveram Play-Station, já conhecem metade dos países da Europa com 18 anos, todos os grandes museus, e qualquer semana de férias num ATL de surf não custa menos de 200 euros, por semana, 350 se for com dormidas, dois filhos são um salário mínimo por semana. O simples acto de ir ao cinema com pipocas dois filhos custa 20 euros, ou 30 euros se for com jantar. Só uma elite o faz. Vão também a Inglaterra uma vez na vida passar 15 dias num lugar idílico, custa 4000 euros, 13 Play Stations.
Os filhos dos outros, a larga maioria de quem trabalha, estão na TV, no Telefone e na Play Station – e aí que vão passar as férias e é aí que passam os dias, sozinhos. A vida de quem vive do trabalho cabe num telefone e numa consola. Por isso não é vida alguma.
Nada é tão barato na educação de filhos como um bom telefone. Este fim de semana fomos visitar o Palácio da Pena, a entrada-família custou 49 euros!, se somarem o almoço, 18 euros por pessoa, nenhum luxo, a gasolina e os magníficos travesseiros da Piriquita só numa manhã teríamos comprado uma Play Station. Sim, as classes trabalhadores, mesmo as qualificadas, estão com estes salários condenadas a ver os seus filhos terem os cérebros destruídos em horas de carregar num polegar a que chamam jogos, mas não há nada de “brincar” em algo assim. A brincar estão algumas, poucas, crianças e jovens, em acampamentos divertidos que custam por semana um salário mínimo. Não é preciso ser um estranho adepto de Permacultura ou vegan – eu não sou. Há uma linha que separa hoje quem brinca e quem vê os outros brincar. Do lado dos obesos, ou dos sem sociabilidade, dos que passam as tardes sozinhos, dos analfabetos-motores, estão cada vez mais crianças e jovens.
O Jovem Conservador de Direita não tem noção alguma do país, mas ao que parece tem milhares de seguidores (não surpreende). Os quais se entregaram a despejar insultos contra mim porque, segundo o JCD, eu sou uma intelectual da esquerda caviar que não sabe como vivem os “pobrezinhos”. Parece que tem sentido de humor. Como sou adepta do riso, porém, aconselho-o hoje a fazer uma piada com os incentivos políticos a que se viaje cá dentro este ano. Com estes salários não há mercado interno, a larga maioria dos portugueses não terá como viajar cá dentro. E, creio, a maioria nunca visitou ou visitará o Palácio da Pena. Era com isso que um néscio como o JCD devia preocupar-se e menos com os “intelectuais da esquerda caviar”. Já devia ter compreendido, a esta altura da vida, que os intelectuais da esquerda caviar têm tanto de amor à classe trabalhadora como de desprezo aos tipos que escrevem na internet ou comentam nos media baseados em superficialidades, eles são aliás a nossa barrigada de rir favorita em qualquer bom jantar da esquerda caviar, os ignorantes atrevidos. Todo o nosso saber, aqui na esquerda caviar, é mobilizado a favor de quem-vive-do-trabalho, e usado para escarnecer de cretinos como ele que adoram comentar a vida do país e não conseguem dar um sinal de vida inteligente dentro de si ou de conhecimento da realidade.
Agora regressamos ao que importa: como garantir que todas as crianças e jovens em Portugal podem voltar a brincar, socializar, conhecer o país, fazer excursões, ter amigos reais. Essa é a nossa questão, que urge. Tem que haver, como diz o professor Carlos Neto, um programa nacional que decrete o estado de emergência de brincar. Temos que desprivatizar o brincar, e socializar o acesso à cultura e ao património natural e histórico.
Raquel Varela
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