
Está a acontecer
Afinal, o que esta a acontecer?
Está a acontecer o ano Europeu da Ferrovia 2021.
Está a acontecer que há interesse e interessados.
Está a acontecer a entrada de novos Operadores.
Está a acontecer novos clientes.
Está a acontecer ser competitivo.
Está a acontecer investimento nunca visto na ferrovia nacional.
Está a acontecer o apoio da UE ao transporte ferroviário.
Vai acontecer
Afinal, o que vai acontecer?
Vai acontecer que não há condições para acontecer.
Vai acontecer que não há material e equipamento para acontecer.
Vai acontecer que não há tecnologia para acontecer.
Vai acontecer que não há saber e competências para acontecer.
Vai acontecer que não há recursos para acontecer.
Já uma vez escrevi que em Portugal parece que os “astros”, leia-se, investimento, tecnologia, material, pessoas, clientes, negócio, nunca se alinham a favor da ferrovia.
Também é verdade que as coisas acontecem quando têm de acontecer. Nem antes nem depois.
É uma enorme satisfação, quase “mágico”, quando vemos acontecer coisas pelas quais lutámos, pelo menos desde o início deste século. Entendo que a grande reviravolta no transporte de mercadorias por via ferroviária em Portugal inicia-se com o projeto de Sines. É a partir dessa data que se começam a procurar novos tráfegos, novos clientes e não apenas cargas e clientes “naturais” da ferrovia. Percebeu-se que era possível diversificar, fazer parte das cadeias logísticas, apostar mais em intermodalidade, fazer parte do “negócio” e ser parceiro relevante de uma economia mais sustentável e mais competitiva. A partir daí outros acreditaram e começaram a olhar para o comboio como um parceiro que queria ajudar ao sucesso de todos, e não apenas o crescimento e sucesso próprios.
Hoje vemos acontecer que este negócio se vai internacionalizando cada vez mais, e cada vez a procura por parceiros internacionais é maior.
Devagar, é verdade, mas está a acontecer. O investimento na infraestrutura é relevante (…), novos operadores a surgir, operadores em atividade a querer crescer, novos clientes e novas cargas, novas rotas e novas distâncias…
Esta procura não decorre apenas de “sonhos”, mas acima de tudo de novas orientações e novas tendências para o transporte internacional de mercadorias. Hoje, o transporte marítimo não acontece apenas no mar, e tanto os portos como os armadores tentam chegar ao interior por terra; por sua vez, assistimos a mercadorias que não “viajavam” de avião, a fazê-lo. O transporte terrestre ganha novas dinâmicas de complementaridade e todos os atores fazem parte desta cadeia logística sustentada num sistema (que se pretende cada vez mais) sincronizado de transportes.
O transporte ferroviário nunca teve tanta procura como agora. Assistimos a um crescimento exponencial das ligações entre continentes, percorrendo grandes distâncias, nomeadamente entre a Ásia e a Europa. O projeto chinês da Nova Rota da Seda permitiu isso mesmo, ou seja, olhar para mais parcerias, mas também mais concorrência, que originou mais iniciativas e mais inovação.
Em Portugal, vai acontecendo
Em Portugal, anuncia-se a vontade de investir na aquisição de locomotivas.
Em Portugal, anuncia-se a vontade de outros Operadores iniciarem atividade.
Em Portugal, anuncia-se a vontade de percorrer novos caminhos.
Em Portugal, anuncia-se a vontade de aumentar a quota de mercado.
Em Portugal, anuncia-se que, afinal, tudo isto vai ser difícil porque não temos um sistema tecnológico – CONVEL – disponível para equipar novas locomotivas e tão pouco permitir que os interessados definam estratégias de aquisição e de crescimento.
Em minha opinião, o que devemos retirar destes últimos tempos é que está a acontecer. Devagar, é verdade, mas está a acontecer. O investimento na infraestrutura é relevante (talvez seja necessário olhar ainda para as acessibilidades aos Portos Marítimos e Portos Secos), novos operadores a surgir, operadores em atividade a querer crescer, novos clientes e novas cargas, novas rotas e novas distâncias, novas tendências e novas realidades.
Acima de tudo, uma nova vontade de apostar mais seriamente na integração logística entre os modos, entre os agentes e entre as autoridades, com processos harmonizados promovendo um melhor alinhamento dos procedimentos e sincronização das operações num mesmo território composto por atores e dinâmicas próprias.
Só assim será possível promover mais e melhor a coesão do território, que permitirá maior prosperidade aos Portugueses.
É isto mesmo: as coisas acontecem quando têm de acontecer. E tenho dúvidas que seja o acaso a decidir nesse sentido.
Está a acontecer e vai acontecer.
António Nabo Martins