Opinião: “O revisionismo”

O revisionismo não é uma revisitação da história sob uma nova perspectiva, neste momento é a forma de afirmação de negacionistas e populistas. Não foi só Estaline que tentou eliminar oposicionistas das fotografias como habitualmente é referido com o exemplo de Trotsky. Assiste‐se actualmente a tentativas de reescrever a História sendo que aqui não há inocentes.

Para mim, que nasci nos anos cinquenta, é particularmente doloroso assistir às tentativas de dourar a pílula da miséria a que assisti. Bem andou o meu pai quando fez desaparecer o livro dos “assentos” lá da loja, o que não impede de recordar e ouvir, como se fosse hoje, o “Tenha lá paciência menina Rosa…até ao fim do mês”, escusado será dizer que o mês seria de um ano qualquer.

Nasci em Portalegre em 53 na rua da Mouraria e, aos quatro anos, passei para a rua do Cano, ruas nevrálgicas onde se sentia o pulsar das duas fábricas fulcrais da cidade. Nasci “dentro” das lojas, literalmente, e convivia todos os dias com operários e muitos familiares, gente do campo como se dizia. A miséria era muita, o alcoolismo e a violência doméstica eram habituais, a escarlatina, o sarampo e outras doenças um susto, ainda hoje sou capaz de reconhecer o cheiro do hospital da Misericórdia, não havia SNS nem hospital público em Portalegre, ao contrário de que alguns ignorantes querem fazer crer, a água canalizada e a electricidade não estavam ao alcance de todos, relembro algumas “habitações” dignas de um conto de Dickens, os meninos aos dez anos eram seleccionados, campo, fábricas, escola industrial ou liceu. Por acaso eu e a minha irmã fomos para o liceu…aqui o acaso tem o nome do Prof Joaquim Caldeira, o que não evitou uma inspecção prévia para avaliar as condições do alojamento do candidato, já que não pertencia à classe dos médios comerciantes ou proprietários, funcionários públicos ou militares…dos pobres lá fizeram a licenciatura dois ou três.

O retrato nunca ficaria completo mas ouvir, mais de quarenta e cinco anos depois do 25 de Abril, loas a este estado de coisas deixa algum mal estar, tanto mais que os ignorantes mais pelintras sempre podem recorrer a familiares, aos outros, mais residuais, saudosos dos tempos da criadagem, do “Sim, minha Senhora!”, “Sim, senhor Doutor!”, do “V. Exa faz o obséquio”, cujos méritos se resumem a putativas linhagens de há décadas e que dão, com condescendência, a mão à turba dos descontentes ou ao lumpen que detestam, convém dizer que não vale a pena arear as pratas que restam ou afagar os brasões porque a História não se repete e é difícil saltar dos sarcófagos em bom estado.

Jorge Mangerona

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