
Uma reflexão sobre o que foi e o que é a sociedade alentejana, de que uma larga faixa nunca abandonou o nacionalismo, a Fé e o desejo de ver reparado aquilo que “lhe fizeram durante o 25 de Abril”. Para Luís Rego, assessor do PS no Parlamento Europeu, trata-se de uma ferida sempre latente no eixo entre Nisa e Ourique
Se existe frase que memorizei da minha infância é esta: “Para aquele, o MIRN é muito à esquerda.” Na altura era uma das frases sem sentido que eu, jovem e alentejano, ouvia aos adultos depois do 25 de Abril e durante o tempo em que em Évora explodiam bombas das FP-25, se disparavam tiros contra um candidato presidencial, as colunas militares da GNR avançavam terra adentro para terminarem com mais uma ocupação ou se subia, na mesma cidade, a Rua da República na manifestação de centenas de pessoas por ocasião do 1º. de Maio. A tudo isto assisti e até tive o privilégio, de anos mais tarde, detalhar para algumas reportagens.
A frase regressou em força à minha cabeça no passado domingo, ganhando as minhas memórias alentejanas outra dimensão. Vamos descodificar a frase. O MIRN era, no final da década de 70 do século passado, o Movimento Independente para a Reconstrução Nacional/ Partido da Direita Portuguesa. Tal movimento/partido foi dissolvido em 1997.
A frase surgia sempre que aparecia alguém identificado com a “a nobreza rural”, “senhor da terra” ou “o indivíduo que se pretendia situar à direita do CDS”, e sabemos como os alentejanos são sagazes nos seus típicos comentários. Ora muitos dos indivíduos assim identificados continuam a viver no Alentejo ou já deixaram uma outra geração que se continua a rever em tais princípios e valores (até conheço mais radicais que os patriarcas).
Dizia-me um dia o meu sogro, transmontano, depois de fazer uma visita ao Alentejo: “o que mais me impressionou foi o número de igrejas que vocês cá têm. Não compreendo! Dizem que são todos comunistas, de esquerda…”
Tratei de lhe esclarecer alguns preconceitos próprios e compreensíveis, mas a sua admiração permite uma boa reflexão sobre o que foi e é a sociedade alentejana.
Nunca, mas nunca uma larga faixa da sociedade alentejana abandonou o nacionalismo, a Fé e o desejo de ver reparado aquilo que “lhes fizeram durante o 25 de Abril”. Uma ferida sempre latente no eixo entre Nisa e Ourique. Uma falha sísmica adormecida. Uma discussão que nunca foi feita. Bem pelo contrário, que sempre se evitou e a qual cavou ao longo dos anos de democracia autênticos alçapões, alimentados por anjos e demónios sedentos de se manifestarem.
Não foi por acaso que se abriu o portal desses anjos e demónios em Évora no passado mês de setembro. Como sempre, alguém de fora fez essa leitura e aproveitou. Aqueles que viviam incomodados por não existir alternativa mais à direita do CDS respiraram de alívio. Aos olhos de um alentejano, como eu, nada se alterou nem em setembro, nem agora. O que aconteceu foi que aqueles para quem o MIRN era muito à esquerda deixaram a clandestinidade. Confuso? Talvez, mas a História e sociologia alentejana não são só anedotas…
Outros fatores sociais poderão ser considerados, mas simplesmente para incendiar. O Alentejo precisa rapidamente de se reconciliar, não de reabrir ruturas ou loucuras passadas. Afinal, sendo de extrema esquerda ou de extrema direita, quando um alentejano ouve o passarinho, ou caminha entre pedras e pedrinhas, sabe que alguma gotinha de bom senso há-de haver.
Luís Rego