São os momentos negros que nos fazem ponderar sobre o que fazemos e para onde vamos. São as tragédias que nos fazem reflectir sobre as nossas escolhas.
“Com o sucesso, não aprendemos absolutamente nada. Com fracassos e contratempos, é possível tirar conclusões”, disse Niki Lauda, que nos deixou no ano passado, depois de uma vida recheada de sucessos, mas também de momentos difíceis. São momentos como o de ontem, com a notícia da morte de Paulo Gonçalves, que nos fazem parar para pensar.
O desporto motorizado é um dos mundos mais competitivos e difíceis, onde para ter sucesso não chega apenas ter talento. Para se chegar ao topo é preciso uma mistura de ingredientes especial, que não se encontra facilmente. O esforço, a entrega e os sacrifícios que se fazem, têm de ser “servidos em quantidades generosas” e nem sempre dão os frutos desejados… ou merecidos. Muitos foram os que tentaram e não conseguiram. Poucos foram os que conseguiram de facto deixar uma marca indelével.
Mas para quê? A troco de quê, tantos dão sangue suor e lágrimas, às voltas num circuito, ou a percorrer troços, a velocidades que fariam o comum dos mortais ficar congelado? Alguns pensarão que é apenas a busca da adrenalina, outros apenas a procura do reconhecimento ou do sucesso. É muito mais que isso. É uma luta pessoal em busca de ser cada vez melhor.
Ao ver a notícia da morte de Paulo Gonçalves foi-me impossível ficar indiferente, tal como a grande maioria dos portugueses. Admito que a minha “praia” é a velocidade e tudo o que implique um pouco mais de pó, não me atrai tanto, mas reconheço a valia, talento e coragem dos homens e mulheres que tentam chegar ao fim do mais duro rali do mundo. E sempre admirei a postura de Paulo Gonçalves… que sorte tivemos em tê-lo como representante das cores lusas. Um homem que nunca virou a cara à luta, que mostrou uma resiliência e determinação ao alcance de poucos, em especial no Dakar, uma prova que foi sempre algo ingrata para ele e que merecia ter vencido.
O seu currículo invejável, com inúmeros títulos conquistados, diz pouco sobre o homem, que nunca desistiu e sempre tentou até ao fim, apesar das dificuldades. Na minha mente fica a imagem recordada por João Carlos Costa nas suas redes sociais, de uma queda de Paulo Gonçalves em 2016. Uma queda violenta, que deixaria por terra qualquer um. Mas Gonçalves nem um segundo ficou no chão. Levantou-se logo, pegou na moto e seguiu. E talvez seja isto que nos deva ficar na memória. Um herói, que percorreu os troços mais difíceis, sempre com uma determinação inabalável, e que a cada queda respondeu com uma dose ainda maior de determinação.
Talvez seja isto o desporto motorizado… uma caricatura a alta velocidade da vida, em que os maiores nomes serão provavelmente os maiores exemplos de como andar neste mundo. Talvez seja esta superação constante dos artistas que nos faz gostar “disto” e dá sentido a este desporto. Burce McLaren disse uma vez “fazer algo bem vale tanto a pena, que morrer a tentar fazê-lo melhor não pode ser considerado loucura”.
Certamente que aos familiares e amigos esta consolação servirá de pouco num momento de tanta dor, mas no futuro, a certeza de que Paulo Gonçalves foi o verdadeiro exemplo do que é o espírito do Dakar e que o seu nome será recortado para sempre, será motivo de orgulho e que esta busca incessante pela vitória será inspiração para muitos. E isto não pode ser considerado loucura. Paulo Gonçalves e muitos outros artistas dos motores, serão recordados durante muito anos… a “imortalidade” é o prémio pelas suas conquistas e mais que isso, pela sua postura. A nós, resta-nos dentro das nossas possibilidade, pelo menos tentar seguir estes exemplos e recordar os seus feitos. E se assim for, talvez tudo isto, esta “doença” dos motores, faça mais sentido.
Fábio Mendes